15 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: comemorar o que? Uma década e meia de descumprimento!

Por Marília Arruda

Em 2010, a Lei nº 12.305 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Esta legislação inovadora estabeleceu como principal meta o fim dos lixões em todo o território nacional até 2014, impondo aos municípios a obrigação de adotar aterros sanitários, sistemas adequados de destinação dos resíduos sólidos e incentivo à coleta seletiva com inclusão dos catadores de materiais recicláveis. Tratava-se de uma medida ambiciosa, que visava não apenas ao cuidado ambiental, mas também à saúde pública e à dignidade das populações que trabalham na área.

No entanto, a promessa inicial mostrou-se difícil de cumprir. Em 2014, quando o prazo expirou, o cenário era de descumprimento generalizado. A justificativa dos municípios recaía sobre a escassez de recursos financeiros e a falta de técnicos qualificados, fatores que inviabilizariam a criação da infraestrutura necessária. A pressão resultou na aprovação do Projeto de Lei nº 425/2014, que prorrogou os prazos para o fechamento dos lixões, estabelecendo novas datas entre 2019 e 2021, de acordo com o porte populacional de cada município. A estratégia, contudo, apenas adiou o problema, sem resolver os entraves estruturais.

Em meio a esse impasse, a pandemia de Covid-19, a partir de 2020, foi usada como nova justificativa para a não implementação da PNRS. A crise sanitária e econômica paralisou investimentos e deslocou prioridades, mas também evidenciou a precariedade de serviços básicos como a coleta e a destinação de resíduos. Assim, mesmo após uma década e meia de sanção da lei, a realidade mostrou-se distante das metas estabelecidas. O passivo ambiental se acumulava, enquanto a população continuava exposta a lixões a céu aberto, que, além de poluírem o solo e a água, emitem gases de efeito estufa como o metano e óxido nitroso, altamente nocivos e responsáveis por agravar o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Com a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento, Lei nº 14.026/2020, os prazos foram novamente estendidos. Ficou definido que capitais e regiões metropolitanas deveriam encerrar os lixões até agosto de 2021, municípios de grande porte e de fronteira até 2022, cidades médias até 2023 e municípios menores até agosto de 2024. Mais uma vez, a legislação empurrou para frente o que já deveria ter sido solucionado, perpetuando a sensação de que o país não consegue cumprir suas próprias metas ambientais. É uma contradição gritante que, em 2025, o Brasil se prepare para sediar a COP 30, em Belém, ainda carregando o fardo de centenas de lixões ativos, sinal claro de falta de compromisso interno com as próprias legislações ambientais.

A cada prorrogação, a PNRS perde parte de sua força e credibilidade. O que era para ser uma política de Estado se transformou em uma sucessão de adiamentos, revelando um padrão de falta de prioridade política para o saneamento e a gestão de resíduos sólidos. Os efeitos dessa negligência recaem de forma mais dura sobre a população mais vulnerável, que vive próxima a esses depósitos irregulares, sujeita à contaminação, às doenças e ao convívio diário com ambientes degradados. Além disso, os catadores que trabalham nos lixões, em condições insalubres e sem qualquer dignidade, continuam sendo vítimas de uma política excludente, apesar de sua importância socioambiental.

Mas o exemplo de Pernambuco mostra que é possível vencer esse desafio. Em 2023, o Estado anunciou o encerramento de todos os lixões nos 184 municípios e em Fernando de Noronha, fruto de uma articulação de quase dez anos entre o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a CPRH e as prefeituras. Essa experiência demonstra que, com fiscalização firme, pactuação institucional e vontade política, é possível implementar a PNRS e alcançar seus objetivos. Pernambuco se antecipou ao prazo final e mostrou ao Brasil que os 15 anos da PNRS não precisam ser marcados apenas por promessas descumpridas, mas também por conquistas concretas que podem servir de modelo para o país. Mesmo que de forma coercitiva e com aplicação rigorosa da lei aos gestores públicos.

Marília Arruda é doutora em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente, especialista em Gestão Ambiental Urbana, turismóloga e produtora Cultural. Também é criadora e mediadora do Goles de Ciências Recife e escreve no blog uma sexta-feira por mês.

Wilfred Gadêlha

Nascido em Goiana-PE no período pleistoceno, Wilfred Gadêlha é formado em jornalismo pela UFPE. Atuou em vários veículos como repórter e editor, é geminiano, metaleiro e metido a cantor. Já escreveu livros, apresentou programa de rádio e dirige e roteiriza documentários que ninguém viu. Também foi secretário de Comunicação na terra-natal e em São Lourenço da Mata e fez várias campanhas - algumas perdeu e outras ganhou.

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